sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Experiências estéticas e mundos cotidianos



por Mariana Lage



Uma dentre tantas das vertentes poéticas contemporâneas focaliza a possibilidade de proporcionar experiências estéticas a partir de objetos banais ou situações corriqueiras. Em meados da década de 50, o grupo Fluxus foi pioneiro em elevar à condição artística ações cotidianas tais como preparar uma salada, acender e apagar a luz, espirrar, abrir o olho, riscar um fósforo. Coetaneamente, John Cage trazia para o “universo da música” sons e ruídos até então considerados a-musicais. Naquela época havia uma preocupação recorrente entre os artistas de romper com as barreiras entre a chamada Arte Erudita e o mundo da experiência comum. Para George Maciunas tratava-se justamente de transformar a arte em uma forma de experimentar qualquer coisa: a chuva, o burburinho de uma multidão, um espirro, o vôo de uma borboleta, um almoço, um jantar.

Ao fim da primeira década do século XXI, oferecer experiências estéticas através de proposições artísticas aparentemente ordinárias continua sendo uma questão importante, e intrigante. Nos últimos dois meses, Belo Horizonte recebeu diversos eventos na área da performance art. Uma das discussões presentes nos corredores e mesas de bares próximos aos eventos circundou justamente o problema entre a banalidade de nossas experiências comuns e a banalidade de certas experiências proporcionadas por algumas performances.

Sem dúvida há espaço e respaldo para essas práticas artísticas, uma vez que a percepção poética/estética dos dias de hoje, se não é apropriada pelas mensagens publicitárias, é, por outro lado, sufocada (quem sabe até coagida) pela quantidade massificantes de imperativos do tipo “faça”, “seja”, “produza”, “compre”. Proporcionar então um espaço de afloramento dessas percepções poéticas e reflexões estéticas talvez possa ser adjetivado como um dos – outrora basilares, hoje em dia demodés – papéis sociais da arte.

Contudo, o ponto de interrogação insiste em se manter presente na fruição de grande parte da produção artística. A dificuldade da arte contemporânea continua sendo, assim, a necessidade de delimitar sua identidade: é ou não é arte e porque. A questão dos atributos plásticos, estéticos ou poéticos continua aparecendo no horizonte de fruição e qualificação dessa produção artística (há pelo menos quatro décadas). Continuam sendo pertinentes tanto para artistas e críticos, quanto sobretudo para o público. Porque – e de que forma, a partir de quais prerrogativas – acender um fósforo é uma obra de arte? Porque andar em círculos ou oferecer um banquete é uma obra de arte? Sobretudo para público pouco versado nas discussões estéticas e debates téoricos/filosóficos da arte, a questão se torna fundamental. Fundamental por causa de uma insistente necessidade comum a (quase) todos de separar arte e vida comum.
Discutir a qualidade dos trabalhos e suas capacidades de proporcionar experiências originais será sempre uma tarefa inerente a própria esfera artística. A respeito de Fluxus, o filósofo Arthur Danto disse “que a questão não é quais são obras de arte, mas qual é a nossa percepção de algo se o vemos como arte”.

Reiterando, é sobretudo o tipo de experiência que temos com essas obras que as qualificam como sendo “obras de arte”, que lhe dão respaldo ou status artístico. Contudo, como medir, como certificar-se da qualidade ou da relevância das experiências proporcionadas? Ou tratar-se-ia hoje em dia justamente de uma “não medida”, não certificação – seguindo a proposta de Fluxus e Cage de uma completa dissolução da arte nos mundos cotidianos?

Em “Neodadá in Music, Theater, Poetry and Art”, George Maciunas propõe que “se o homem pudesse ter uma experiência de mundo, o mundo concreto que o cerca, da mesma maneira que tem a experiência da arte, não haveria necessidade de arte, artistas e de elementos igualmente ‘não-produtivos’”. Enquanto John Cage na mesma época defendia uma música em que não mais haveria distinção entre compositor, maestro, músico e público. “É uma música feita por todos”. Para finalizar, vale lembrar que para Fluxus, a arte adquire “qualidades impessoais de um acontecimento simplesmente natural”.

Talvez tenhamos chegado a concretização dessas proposições-manifesto.


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